Lei Azeredo

Leis, idealmente, deveriam emergir do cotidiano dos comportamentos sociais, para que sejam seguidas e respeitadas. Tentar fazer leis de cima para baixo, para por exemplo regular o funcionamento da internet, que ainda é algo muito novo, tende a ser prematuro e talvez fadado ao insucesso. O que regula a internet e seu uso ainda é um equilíbrio sistêmico de forças, que vez por outra é quebrado por ações anti-sociais que ferem a privacidade, a segurança ou a individualidade dos seus usuários. Infelizmente, essas ações aparecem mais e são mais divulgadas na mídia do que as que não causam problema algum e que caem no uso normal.

Xerifando a internet

Xerifando a internet

O assunto polêmico do momento é o que se convencionou chamar Lei Azeredo, que dispõe sobre o uso da internet, tipificando crimes e estabelecendo punições para os transgressores, proposta pelo Senador Eduardo Azeredo (MG). O projeto estabelece 13 crimes civis na internet, e pune com multa ou prisão delitos como roubo de senha, difusão de vírus, acesso não autorizado a dados, armazenamento e distribuição de músicas e textos sujeitos a proteção intelectual, divulgação não autorizada de dados pessoais, ataques a redes de computadores, armazenamento de conteúdo relacionado com pedofilia, e outros.

Por exemplo os artigos 285-A e 285-B são considerados polêmicos, pois estabelecem pena de prisão de um a três anos e multa para quem acessar, obtiver ou transferir dados pessoais violando proteção de redes e dispositivos de comunicação. A interpretação dura desses artigos pode tornar criminosas pessoas que desbloqueiem aparelhos celulares para utilizá-los em outras operadoras, ou que transfiram músicas de um iPod de volta para o computador. Os provedores de acesso vão de imediato sofrer os maiores impactos, pois terão que repassar de forma sigilosa às autoridades todas as denúncias de crimes feitas a eles, e terão que manter os dados sobre acessos armazenados por três anos (data, horário de acesso e endereço IP dos usuários). E não se trata de apenas armazenar os logs de acesso, eles devem também ser organizados de forma a facilitar a recuperação dos dados que forem solicitadas pela justiça.

Não há dúvidas de que os crimes pela internet incomodam, e muito. Somente os bancos perderam cerca de 1 bilhão de reais no ano passado com fraudes eletrônicas. E os casos de roubo de senhas de cartão de crédito, de dados de contas bancárias, prejuizos individuais aos usuários, etc., são muitos, a maioria nem vem ao conhecimento público. Nesse particular, caimos em um ponto importante: o usuário é muito afoito e mal informado. Sei de muitas pessoas instruídas, com boa formação, que cairam naquelas estórias das mensagens que solicitam que se acesse algum sitio na internet, para verificação de dados cadastrais pois estão com dívidas pendentes. E elas entram no sitio, fornecem informações, para só muito depois perceberem que o saldo bancário está indo para o buraco. Impossível impedir esse tipo de crime com legislação, o usuário tem que fazer seu papel e se manter informado.

Por outro lado, não vejo nenhuma preocupação de nenhum dos nossos legisladores, com situações muito piores que não envolvem a internet. Por exemplo, por decisão do Banco Central, toda folha de cheque tem que ter impressos o nome do(s) correntista(s), o número do CPF e o do documento de identidade, facilitando assim de graça o roubo de identidade, pois os dados que faltam são obtidos sem esforço (endereço, nome dos pais, etc.). Já procurei saber no banco em que tenho conta se eu poderia solicitar minhas folhas de cheque sem essas informações, a resposta é negativa, pois é decisão de instância superior. Não é assim que funciona em paises do primeiro mundo, que têm legislação e proteção legal muito mais avançadas que as nossas. O cidadão tem plenos poderes para autorizar ou não a divulgação de suas informações nas folhas de cheque. Lembrando que o cheque está agonizando, com os dias contados.  

Se quiserem ler postagens mais críticas com vários desdobramentos e comentários interessantes, recomendo começar por essa postagem aqui, do blog do prof. Silvio Meira. O texto integral do substitutivo aprovado no Senado Federal está aqui. A lei foi analisada e aprovada no Senado Federal, e agora vai para a Câmara Federal, para depois seguir para a sanção do Presidente da República. As previsões são de que vai ser aprovada em breve até com facilidade, há muitos interesses em jogo.

(postagem feita a partir do artigo “O big brother vem ai?”, jornalista Camila Fusco, revista EXAME 923, de 10 de Julho de 2008)

Consultor Independente, Treinamento Empresarial, Gerência de Projetos, Engenharia de Requisitos de Software, Inovação. Professor Titular Aposentado, Departamento de Informática, Universidade Federal de Viçosa, Minas Gerais, Brasil. Doutor em Informática, PUC-Rio, 1990. Pós-Doutoramento, University of Florida, 1998-1999

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Publicado em Economia, Social, Tecnologia
4 comentários em “Lei Azeredo
  1. Henrique disse:

    A desobediência à lei é uma forma natural de protesto contra uma imposição. Acho que acontecerá. Muito.

    Não estou muito por dentro dos fatos, mas se os bancos perdem tanto com os crimes virtuais, então o ganho deve ser bem maior, a ponto de, em vez de alertar o usuário e gerar uma queda no uso do banco por meio da internet, preferir pressionar o congresso. Digo porque não creio que essa lei será aprovada sem uma certa pressão, já que fere a opinião pública.

  2. Hadriel disse:

    O grande problema disso tudo é a falta de informação. Repassei um email para uma lista que participo e poucos tinham conhecimento do projeto de lei. Nunca vi uma nota nos grandes meios de comunicação, e nem mesmo na Web vejo uma FORTE mobilização contra (ou a favor pra quem acha relevante). Fala-se que o Azeredo é leigo e não tem embasamento teórioco para fundamenta-lo, porém a grande maioria dos usuários da rede também são leigos e não conseguem perceber realmente o que a lei pode trazer de impacto realmente. Pra mim, o que falta para aumentar o debate é “traduzir”, sem exageros, a lei para que este assunto possa realmente cair na boca do povo.

  3. Segundo consta, a proposta foi submetida aos comentários do público por um tempo, mas pouco ou nada se falou disso. Parece que os interesses em jogo são muitos, e tem muito blog e noticia de jornal falando do assunto. A melhor referência é o blog do Silvio Meira, que tem vários links e uma discussão muito interessante. Esse debate mais longo não vai acontecer, a proposta já está na reta final. A menos, é claro, que nossos legisladores resolvam entender do assunto e analisá-lo sensatamente… se é que isso é possivel.

  4. Não sei se os abaixo-assinados digitais conseguem alguma coisa, mas havia um abaixo-assinado virtual pelo veto dessa lei. Quem foram André Lemos, Prof. Associado da Faculdade de Comunicação da UFBA, Pesquisador 1 do CNPq, Sérgio Amadeu da Silveira, Prof. do Mestrado da Faculdade Cásper Líbero, ativista do software livre e João Carlos Rebello Caribé, Publicitário e Consultor de Negócios em Midias Sociais. Segue o link

    http://www.petitiononline.com/veto2008/

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