Apagão de talentos em TI

Um artigo da VoceSA de agosto de 2007 me chamou muito a atenção: Deu pau no T.I., jornalista Gabriel Penna. Confirma mais uma vez o que já vem sendo dito e percebido há algum tempo: faltam talentos na área de T.I., tendendo a piorar muito. Pesquisa do CGI– Comitê Gestor da Internet-Brasil mostra que 42% das 188 empresas brasileiras (da área) com mais de 100 funcionários tentaram contratar especialistas em TI em 2006. Dessas, 1/3 tiveram dificuldade para achar pessoal com a qualificação necessária: 80% reclamaram da falta de qualificação, 54% reclamaram da pouca oferta de mão-de-obra, e outros 54% reclamaram da falta de experiência dos profissionais. Levantamento do MCT-Ministério da Ciência e Tecnologia projeta uma necessidade de 213000 profissionais no mercado até 2012, número que em 2005 era estimado em 17000, segundo a reportagem (não consegui achar esses dados no sítio web do MCT).

Embora números fornecidos dessa forma tragam pouca informação relevante, pois seria necessário segmentá-los e entender as necessidades por setor e por tipo de qualificação pelo menos, uma coisa é certa: a coisa tá ficando preta, e não apenas aqui no Brasil, mas no mundo todo. Uma observação antes de continuar: geralmente, o grupo “profissionais de TI” inclui uma grande variedade de qualificações profissionais, que vão desde Arquiteto de Software até cabeador e instalador de rede, montador de equipamentos e pessoal de secretaria com habilidades em TI (uso de software na maioria dos casos). Acredito que se essa projeção do MCT para 2012 for segmentada e explicada direitinho, vamos conseguir enxergar outras informações importantes por trás dos números.

Mas, independente da interpretação dos números, certamente existe um problema. E a questão não está restrita ao Brasil, o mundo todo tem o mesmo problema, pois a TI está em todo canto e seu uso continua em crescimento exponencial. Estamos rodeados por software em todo tipo de equipamento do nosso dia a dia, e dependemos da informação atualizada e confiável para sobreviver. Bom, mas como é que vamos sair dessa? Nossa capacidade de formação de pessoal em nível de educação superior parece ter atingido um limite de expansão nas universidades públicas, que normalmente são a meta da esmagadora maioria dos jovens que não têm condições de arcar com os altos custos dos cursos em faculdades particulares. Mas o problema não está apenas na formação de nível superior: está muito mais concentrado nas profissões técnicas, de segundo grau, tecnólogo ou superior de curta duração. Não temos os profissionais nesse meio de campo extremamente necessário e que deveria ser muito valorizado, tanto quanto as carreiras de nível superior o são. A relação praticada em paises desenvolvidos gira em torno de 4 a 6 profissionais de nível técnico para cada profissional de nível superior, para que seja possível o crescimento sustentado e sem distorções.

E ainda temos outro problema: a qualidade dos profissionais que estão no mercado. As estatísticas mostram, já há algum tempo, que a qualificação está deixando muito a desejar. As estórias sobre falha de software são comuns, atingindo todos os setores da economia e com custos estimados em torno de 100 bilhões de dólares anuais somente nos EUA. A última falha relatada foi a do Skype, que ficou fora do ar uma quinta-feira inteira de agosto de 2007 por uma falha em software, deixando parte do mundo fora do sistema. Claro que as falhas podem ser atribuidas a várias causas diferentes, mas certamente a qualidade dos profissionais responsáveis pelo software é uma delas, talvez a mais visível.

Também não temos professores com formação adequada para suprir as necessidades em todos os cursos relacionados com a TI que aparecem a cada dia, e essa é uma questão séria, pois significa que profissionais estão indo para o mercado sem a necessária formção básica sólida e de qualidade. Percebo também, como professor da área há 30 anos, que o interesse dos jovens pela TI de modo geral, e pela computação em particular, vem caindo. A procura pelos cursos de computação nos vestibulares caiu muito nos últimos anos, no mundo todo. Esse é um movimento cíclico, que possivelmente segue os ciclos de desenvolvimento da própria economia, que periodicamente tira algumas profissões do foco de atenções, e promove outras que estavam no esquecimento. Os jovens, que são espertos e bem informados, acompanham esse movimento e acabam seguindo profissões que no momento estão mais bem cotadas no mercado, como por exemplo as Engenharias, a Administração, a Psicologia e a Comunicação Social nos dias de hoje. Por consequência da queda na procura pelos cursos na área de TI, cai também a qualidade dos alunos que acabam ingressando nos mesmos, dificultando o aprendizado e a formação de mão de obra de qualidade. O efeito se faz sentir na enorme quantidade de estudantes que ficam agarrados em disciplinas de formação básica, como por exemplo as matemáticas, o que não acontecia no passado. Até disciplinas do próprio curso, como por exemplo estruturas de dados, têm reprovado mais gente do que seria razoável.

Vejo também a necessidade de as empresas passarem a investir pesado na formação especifica de profissionais contratados por elas. Não existe a menor possibilidade de o profissional sair dos bancos da escola e entrar nas empresas com a formação que elas necessitam ou exigem. As empresas têm que enxergar essa realidade, e pararem de apenas reclamar da falta de mão de obra qualificada e de qualidade, e passarem a atuar como parceiras das instituições públicas e privadas na formação dos alunos. Espaço para palestras, oferecimento de estágios profissionalizantes, bolsas de estudo associadas com o desenvolvimento de projetos de interesse mútuo, financiamento de laboratórios e infra-estrutura são formas diretas e facilmente implementáveis de trilhar esse caminho.

Os problemas são imensos, e não se resolvem com uma assinatura apenas, é necessário o tempo de gerações para que os resultados apareçam e uma reversão nas estatísticas comece a se manifestar. Não podemos esperar que um governo faça tudo sozinho, o esforço tem que ser de todos nós, mais uma vez. E está na hora de os jovens voltarem a escolher carreiras na área de TI, o mercado está cheio de oportunidades no mundo todo. Mas, não se esqueçam: as melhores posições e consequentemente os melhores salários são reservados aos mais competentes…

(Deu Pau na T.I., VoceSA, agosto 2007, pag. 32-35)

Consultor Independente, Treinamento Empresarial, Gerência de Projetos, Engenharia de Requisitos de Software, Inovação. Professor Titular Aposentado, Departamento de Informática, Universidade Federal de Viçosa, Minas Gerais, Brasil. Doutor em Informática, PUC-Rio, 1990. Pós-Doutoramento, University of Florida, 1998-1999

Publicado em Carreira
6 comentários em “Apagão de talentos em TI
  1. Deley disse:

    Muito interessante Zé.
    Este post me fez lembrar e refletir sobre duas situações. A primeira é que, desde que trabalho como Arquiteto, tenho recebido muitas propostas de emprego, e não é raro receber a “mesma” proposta pouco tempo depois (será uma carência?). A segunda está relacionada à “preferência” que a empresa em que trabalho tem por profissionais formados na UNICAMP, USP, UFSCar e UFV. Um dos últimos contratados, formado na UFV, foi chamado após várias entrevistas com candidatos cuja qualificação não agradou. Esta “preferência”, apesar de não oficial, pode refletir uma tendência?
    []’s

  2. Alo, Deley. Você está no meio da tormenta, sem dúvida alguma. E a preferência por algumas das intituições como você citou já nem é mais uma tendência, é uma realidade. A briga por talentos está tão forte, que temos uma empresa fechando um convênio conosco, para vir se instalar aqui colado na gente (no momento certo eu divulgo a noticia). Abraço,

  3. Marcio Molica disse:

    Aqui em BH é muito dificil achar pessoas com perfil adequado para trabalhar com TI/Adm. Sistemas/Rede. Infelizmente acabamos dando preferência para alunos da UFMG/UFV/PUC, mas confesso que mesmo assim ainda aparecem candidatos que não sabem SQL, nao conhecem estrutura de dados, não sabem como um sistema operacional funciona ou desconhecem conceitos de Eng.de Software. Geralmente eles sabem a linguagem de programação da moda. Uma época era VB, depois Delphi, depois Java, depois Perl… O conhecimento é superficial. Trabalho em uma área administrada por engenheiros, não trabalho na TI propriamente dita. Mas, mesmo entre os engenheiros, esta claro o grande espaço a ser ocupado por pessoas de computação. Os equipamentos de telecom estao cada dia mais se aproximando dos computadores, roteadores, switches que o pessoal de TI ja esta acostumado. A convergência é clara e irreversível. Mas mesmo assim poucas pessoas de computação alcançam altos cargos. A resposta para esta aparente incoerência esta justamente na má imagem que profissionais de TI e softwares em geral causam. Lembre-se que há pouco tempo o Bill Gates, durante uma apresentação do Windows, foi surpreendido com uma “tela azul”. E por que isto acontece? Acho que por uma serie de motivos entre eles:
    1. a “popularização” dos cursos de “ciencia da computação”. Tecnologos em Processamento de Dados, Bachareis em Sistema de Informação, Administradores de Sistemas, Engenheiros com Especialização em Redes/TI, etc… todos se entitulam “Analistas de Sistemas”, todos se candidatam as mesmas vagas nas empresas. Não existe distinção, mistura-se o joio e o trigo e poucos notam as nuances de cada profissão;
    2. as “chefias” ainda nao foram renovadas. Com exceção de empresas onde a informática é fim (tipo RM Sistemas), a grande maioria dos empregadores querem a TI como meio e nao fim, isto é, a informática como ferramenta para alavancar negócios mas não o negócio em si. Tipo bancos, telecomunicação, empresas de energia, siderurgicas, etc. Nestas empresas o alto escalão não enxerga diferença (por ignorância mesmo) entre os profissionais de TI. Quando surgem 10 curriculuns em uma seleção, todos dizendo ser “Analistas de Sistemas” com pretensão salarial variando de 8 a 2 mil reais, advinha quem eles contratam? Quando cheguei aqui em 92 esperava que, com o tempo, este cenário mudasse. Ledo engano, poucos da minha geração chegaram ao ponto de tomarem decisões neste sentido, mas a coisa ta mudando, lentamente mas esta.
    3.Profissional de TI esta ganhando menos. Esta é talvez a principal causa da queda no interesse por computação. Basta verificar as tabelas salarias dos principais jornais do brasil. Inicialmente não há tanta diferença entre um engenheiro junior e um analista junior, mas reparem que com 10 anos de carreira, os engenheiros que sobreviveram no mercado de trabalho possuem um salário bem superior aos analistas de sistemas que sobreviveram ao mesmo período. A diferença as vezes chega a ser 100%, isto é, analista de sistemas ganhando em média R$5.000,00 enquanto engenheiro ganhando R$10.000,00 Hoje em dia, a computação perdeu todo aquele charme, status e $$$ iniciais. Muito melhor fazer um curso de engenharia e uma especializacao qualquer em TI. A pessoa que escolheu este caminho, no mínimo, tem duas portas abertas, na engenharia e em TI mesmo sabendo que em TI ele seria um profissional mediocre (no sentido de mediano)

    Zé, não vou chorar mais as pitangas, um abraço e parabens!

  4. Washington Fazolato disse:

    Ze Luis,

    Parabéns pela análise lúcida e pelos comentários inteligentes. Diante da avalanche de mudanças em TI, pergunto-me se ainda vale a pena alguém em sã consciência trilhar essa carreira.

  5. Obrigado, Washington. Vou falar rapidamente sobre os comentários 3 e 4 acima, do Márcio e do Washington. A área de TI está passando, no momento, por uma fase de dispersão, e iniciando uma fase de reorganização e realinhamento. O primeiro indicio de que algo está mudando está no fato de as grandes empresas já reconhecerem a necessidade de ter o pessoal de TI alinhado com o negócio principal da empresa, ao invés de serem sempre vistos como pessoal de apoio, que fica nos bastidores com a responsabilidade imensa de fazer o negócio andar, sem nunca aparecer em lugar nenhum. Esse movimento já impõe aos estudantes e aos cursos na área o requisito importantissimo de proporcionar aos estudantes a oportunidade de cursarem disciplinas relacionadas com a Administração de Empresas e Economia.
    Os cursos de engenharia, de modo geral, proporcionam essa formação mais abrangente oferecendo disciplinas nessas áreas, e isso talvez explique o fato de que a esmagadora maioria dos administradores de nível hierárquico mais alto nas grandes empresas serem engenheiros. E isso no mundo todo.
    Claro que vale a pena entrar na área de TI sim, as oportunidades são imensas. Mas, tem que entrar para encarar os desafios que uma área tecnológica impõe, não adianta ser mediano (ou medíocre, como disse o Márcio). zeluis

  6. Erickssen disse:

    Só uma palavra. Falta um sindicato como a área de Direito.

Deixe um comentário