Urubus, India e o equilíbrio ecológico

Dia desses, estava vendo TV no final da tarde de domingo, quando parei para ver um programa que estava rolando no canal National Geographic, nem preciso comentar da qualidade do programa. Foi me prendendo a atenção, e vi o programa todo, impressionado com o que eu vi. Equilibrio ecológico interessa muito a mim e acredito que a todos os habitantes do planeta, e esse programa foi direto ao ponto.

Urubus

O tema é esse ai do titulo, os urubus e seu papel no equilibrio ecológico da India. Todo mundo sabe que vacas são animais sagrados na India, têm livre trânsito, são protegidos por lei, ninguém come, circulam até morrer e as carcaças não podem ser tocadas pelo homem. O urubu fecha o ciclo, comendo as carnes e visceras, deixando apenas os ossos, impedindo assim a proliferação de doenças altamente infecciosas, como a raiva. O urubu de lá não é o mesmo daqui, mas são parentes muito próximos. O estômago do urubu é considerado muito ácido, consome as bactérias que ele engole, e as fezes já saem depuradas com as bactérias inertes. Ou seja: os urubus prestam um inestimável serviço aos indianos e a sua cultura (e a nós também, porque fazem o mesmo trabalho nos lixões).

Bom, mas perceberam que a população de cachorros aumentou demais na India, chegando a 7 milhões, um número astronômico concentrado em poucos lugares. Foram investigar, esses cachorros estão se reproduzindo livremente nos lixões e nos cemitérios de carcaças do gado morto, comendo a carne e vísceras e vivendo em estado completamente selvagem. Um desequilibrio desses aconteceu também na Austrália, que hoje tem uma população de cachorros selvagens (dingos)  muito grande que dão uma enorme dor de cabeça a fazendeiros que têm suas criações dizimadas por eles, que atacam até o gado. Paralelamente ao crescimento da população de cachorros, aumento da raiva entre eles e transmissão da raiva aos humanos em proporções alarmantes, perceberam também que a população de urubus diminuiu demais, chegando quase ao nivel de extinção. Continuaram na investigação, colheram urubus mortos, analisaram as carcaças, e verificaram que os rins deles estavam paralisados, não funcionavam mais, provocando a morte.

A estória é longa, cheia de passagens interessantes do ponto de vista de investigação cientifica, formação de hipóteses, busca de explicações através da investigação, que é uma das belezas e enorme conhecimento transmitidos pelo programa. De hipótese em hipótese, recomeços daqui e dali, muito tempo passado e ajudados por um pesquisador de universidade estadunidense, resolveram finalmente checar as farmácias de produtos veterinários, para testar a hipótese de que algum medicamento que estivesse sendo usado em larga escala estaria presente nas carcaças do gado morto, sendo ingerido pelos urubus e causando a falências da função renal. Depois de mais um periodo, descobriram que o diclofenaco era o grande vilão da estória.

Diclofenaco é o nome genérico de um anti-inflamatório muito usado no mundo todo, tanto para animais quanto para humanos. Nomes especificos comercializados por aqui são o Voltaren e o Cataflan, quem não conhece? Encontraram traços fortes de diclofenaco em 10% das carcaças de gado o que é catastrófico, 1% já seriam suficientes para provocar um desequilibrio muito grande na população de urubus. Fecharam o ciclo verificando nas visceras de urubus mortos a presença de diclofenaco, que tem impacto fortissimo nos rins. O que de resto é mais que sabido, todo anti-inflamatório tem impacto forte nos rins, tomados por longo tempo podem causar sérios danos ao nosso precioso órgão.

Fechando, conseguiram aprovar uma lei proibindo o uso veterinário do diclofenaco em toda a India (já é proibido nos EUA há mais de 10 anos). Agora, grupos de ecologistas estão criando urubus em cativeiro, simulando o ambiente selvagem, e esperam em 2015 soltar 2000 casais na natureza. Esperando que eles se reproduzam fora do cativeiro (ritmo é muito lento, um ovo por ano), restaurando depois de algum tempo o equilibrio rompido. Mas, ninguém sabe ao certo se a iniciativa vai funcionar, porque a natureza busca outros equilibrios e pode ser que daqui a 10 anos o problema já seja outro muito mais complexo.

As lições: -romper equilibrio de sistemas de modo geral, pode ter consequências catastróficas e imprevisíveis. Infelizmente, as principais decisões que afetam a humanidade são tomadas de maneira reativa, levando em consideração apenas o problema e sua solução imediata, sem uma análise mais profunda dos impactos sistêmicos. Essa é uma das ironias da administração: quem toma esses decisões, possivelmente não vai estar vivo para sofrer os impactos delas… e -urubus não têm nada de nojento, a gente continua julgando pela aparência externa, eles prestam um enorme serviço à humanidade, limpando parte da sujeira que o ser humano joga na natureza.

Atualização Abril/2016 – Pergunta feita por outra leitora do blog, sobre o link do programa no National Geographic. Dei uma pesquisada rápida, achei o artigo no canal em inglês, vejam aqui.

Atualização Abril/2015 – Uma pergunta feita por uma leitora do blog, me despertou para a falta de uma informação na postagem. Como é que o diclofenaco foi parar no gado que é criado solto nas ruas? Bom, eles são tratados por veterinários, que aplicam o diclofenaco em grandes quantidades para tratamento de cálculos renais e outros inflamatórios. Esse uso excessivo de diclofenaco é que foi detetado como o problema, ao investigarem a quantidade vendida pelas farmácias.

(este artigo foi escrito por zeluisbraga, e postado no meu blog zeluisbraga . wordpress . com) (this post is authored by zeluisbraga, published on zeluisbraga . wordpress . com)

Consultor Independente, Treinamento Empresarial, Gerência de Projetos, Engenharia de Requisitos de Software, Inovação. Professor Titular Aposentado, Departamento de Informática, Universidade Federal de Viçosa, Minas Gerais, Brasil. Doutor em Informática, PUC-Rio, 1990. Pós-Doutoramento, University of Florida, 1998-1999

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Publicado em Economia, Social, Sustentabilidade
19 comentários em “Urubus, India e o equilíbrio ecológico
  1. ENIO disse:

    OI, EU TAMBEM ASSISTI O DOCUMENTARIO , E FIQUEI PREOCUPADO, POIS TENHO CRISES RENAIS E ME PERGUNTO A QUE PONTO ESSE MEDICAMENTO PODE FASER MAL AOS SERES HUMANOS. MORO NO INTERIOR DO RIO GRANDE DO SUL E TENHO PERCEBIDO A DIMINUIÇAO DESSES ANIMAIS NA NATURESA , ACHO QUE POR AQUI SEGUE O MESMO CAMINHO .
    ABRAÇO .

    • Todos nós que temos cálculos renais, fazemos uso do diclofenaco em algum momento. Com acompanhamento médico, sem auto-medicação, não tem tanto problema. O problema é o uso indiscriminado, isso sim pode levar a impactos nos rins e acabar causando danos.

  2. Marcio Molica disse:

    E como o anti-inflamatório foi parar nas carcaças das vacas?

  3. railer disse:

    não vi o documentário, mas achei muito interessante a história.
    o equilíbrio da natureza depende também das ações do homem, que muitas vezes se esquece do impacto delas.

  4. Cleonice disse:

    Tamém asisti e achei preocupante.
    Gostaria de saber como posso baixar da internet esse documentário para mostrar aos meus alunos.

  5. Estou assistindo e fiquei preocupada pois sempre tomo diclofenato para dores.

  6. Anax disse:

    Li algumas matérias sobre o assunto e fiquei interessado em ver o documentário.
    Alguém sabe informar a data da exibição ou o tema do programa para que eu tente localizá-lo no site da National Geographic?

    Grato

  7. Amalia disse:

    José Luis.
    Trabalho há anos com meio ambiente, mais especificamente com geologia ambiental. Então, os urubus são uma das espécies lixeiras do planeta. Há outras, mas essa é a mais conhecida. E eles não consomem o que o “que o ser humano deixa na natureza”; consomem tudo que é orgânico.
    O que tenho tbm notado, que eles já não são mais tão vistos como tempos atras.

    • É verdade, Amália. Aqui em Viçosa era notória a presença deles nos lixões. De repente, o número diminui demais. Talvez porque a consciência sobre a questão da separação do lixo, aproveitamento do lixo orgânico, etc., tenha diminuido a disponibilidade de alimentação para os urubus, com isso comprometendo a sobrevivência da espécie. Obrigado pela visita.

  8. Renata Pio disse:

    Só ontem, quase um ano depois, é que vi este documentário e até agora estou chocada.
    Excelente matéria Zé Luis, parabéns!
    Posso copiar no meu blog com os devidos créditos?

  9. Maria Beatriz Marques - Santo Antonio da Patrulha RS disse:

    Tambem fiquei preocupa com a materia. Começei a observar os urubus no ceu o qual vi somente um em 15 dias.

  10. Isaias disse:

    Vi um programa que frizava o funeral de pessoas humanas, em que os urubus comiam as carnes das pessoas mortas, deixadas em um templo para esse fim, os urubus se encarregam de comer os corpos humanos, faz parte da tradição na Índia, e os corpos estavam contaminados com diclofenaco, segundo os pesquisadores, foi o que causou a extinção quase em massa da população de urubus. O diclofenaco é proibido na india, USA e outros países, não deveriamos precionar o governo para nos esclarecer o porque o meso não foi feito aqui no Brasil?
    IsaiasPCFilho-Boa Vista/RR

  11. Maria Luiza Silva disse:

    Gostaria de saber como o diclofenaco chegou ao gado. Se é criado livre, como teve acesso ao diclofenaco?
    Grata, Maria Luiza Silva

    • Olá, Maria Luiza. O diclofenaco era aplicado por veterinários, comprado em grandes quantidades em farmácias. Foi a pista que possibilitou aos ambientalistas descobrir a razão pela mortandade dos urubus na India. Obrigado por sua visita,

  12. Gizele disse:

    Boa noite! Assisti esse documentário, acho perfeito e é excelente para trabalhar vários assuntos com os alunos em sala de aula. Já procurei em diversos locais esse documentário e não achei em nenhum lugar. Jose Luis, tem ideia de onde posso encontrar? Nunca mais passou! Aguardo resposta. Obrigada!

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